A sustentabilidade ambiental e a redução das desigualdades econômicas e sociais entre os homens e a mulheres são parte de uma agenda transversal[1] de desenvolvimento do Brasil e o êxito na abordagem desses desafios depende não somente do governo, mas também das empresas, através de suas políticas de salvaguardas ambientais e sociais (ESG, na sigla em inglês).
Isso é ainda mais relevante para as empresas estatais (EEs), uma vez que, por serem controladas pelo Estado, devem estar fortemente alinhadas com os compromissos assumidos pelo governo federal. Ao passo que a função e objetivo primário de uma empresa privada é gerar lucro para seus acionistas, as empresas estatais são caracterizadas por múltiplos objetivos, que não se limitam a geração de lucro[2]. Entre estes, se destacam como funções centrais o bem-estar social e o desenvolvimento da nação. Por essa multiplicidade de objetivos, as EEs podem ser vistas com extensões do governo, que operam na intersecção do público e do privado.
Mesmo com tais motivações, ainda faltam ferramentas sofisticadas para monitorar o engajamento e progresso das empresas estatais em temas de ESG e saber se as medidas sendo implementadas são efetivas ou se é possível aperfeiçoá-las. Neste blog, discutiremos uma proposta de índice[3] que busca medir de modo sistemático e profundo a abordagem das estatais brasileiras relacionadas às suas políticas ambientais e de gênero. Este índice, aplicado para 23 empresas estatais, busca reduzir uma brecha importante de informação, pois muitas das estatais do país não fazem parte de índices internacionais que medem o desempenho destes tipos de políticas[4].
Entendendo o contexto internacional das políticas ambientais e sociais para as empresas estatais
Antes de avançar na explicação dess|e índice é importante situar o Brasil dentro de um contexto internacional. Tanto entre BRICS[5] como na própria América Latina, os enfoques das políticas de ESG são variados apesar dos avanços em anos recentes. São poucos os casos de legislações robustas que incluam estes critérios.
No caso específico do Brasil, não há uma legislação ampla que abarque claramente diretrizes para as preocupações ESG. Entretanto, o Decreto 12.303 de dezembro de 2024 institui um programa de governança e modernização que contempla ações de diversidade e inclusão, ainda a serem iniciadas. A governança das empresas estatais no país fica a cargo principalmente da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), dentro da estrutura do Ministério da Gestão e Inovação.
A SEST oferece uma certificação que endereça aspectos de transparência e melhores práticas de governança nas EEs federais, através do Índice de Governança da SEST (IG-SEST). Apesar de ser um bom exemplo em termos de prestação de contas, não aborda profundamente temas transversais. O IG-SEST é desenvolvido a partir de um questionário de 46 perguntas, das quais nove endereçam questões socioambientais.
Proposta de índice
O Indice de Políticas Ambientais e de Gênero (IPAG) procura aprofundar a abordagem ESG das estatais e foi criado tomando em conta as particularidades do contexto brasileiro, enfocando-se em dois componentes: (i) Ambiental, com 20 indicadores e (ii) Gênero, com nove indicadores.[6]
O Índice foi criado tendo como referência o questionário do Carbon Disclosure Project (CDP), as diretrizes do Global Reporting Initiative (GRI) e as dimensões do Bloomberg Gender Equality Index (GEI). O indicador foi construído com dados de 23 empresas estatais federais[7], em oito setores: tecnologia da informação e comunicação; petróleo, gás e energia; saúde; pesquisa e gestão de projetos e contratos; infraestrutura e transporte; indústria/manufatura; financeiro; e abastecimento alimentar.
A tabela abaixo mostra como o índice é composto e a nota final calculada para cada componente.
Componente Ambiental | Componente de Gênero |
20 indicadores, divididos em cinco categorias: – Compromisso com a mudança climática – Energia – Água – Lixo/Resíduos – Biodiversidade | Indicadores relacionados à presença de mulheres nos conselhos de administração e cargos executivos (alto escalão): – Percentual de mulheres no conselho – Presidência do conselho ocupada por mulher – Posição de CEO ou equivalente ocupada por mulher – Percentual de mulheres na diretoria executiva (C-level) – Existência de Chief Diversity Officer |
Codificação | Codificação |
1: informação completa e clara 0.5: informação vaga ou incompleta 0: sem informação | 1: mais de 45% de mulheres 0.5: entre 25% e 45% de mulheres 0: menos de 25% de mulheres |
Score final | Score final |
Soma dos indicadores, varia de 0 a 20 | Soma dos indicadores, varia de 0 a 5 |
Apesar do IPAG ser apresentado como um único índice, seus componentes devem ser interpretados de forma distinta e não são aditivos. Ou seja, cada EE avaliada terá uma nota para o componente ambiental, que varia de 0 a 20, e uma nota para o componente de igualdade de gênero, variando de 0 a 5. Nos dois casos, a nota zero reflete uma situação menos desejável e a nota máxima é o maior número (5 para gênero e 20 para o ambiental). A nota final em cada componente é composta a partir da soma da nota obtida em cada indicador analisado, que recebe uma pontuação entre 0 e 1.
Resultados
A primeira aplicação do índice mostra que, para o componente ambiental, as maiores notas são obtidas por empresas do setor de petróleo, gás e energia, e grandes empresas do setor financeiro. Este resultado é esperado, uma vez que são os maiores alvos de pressão de diferentes stakeholders pela proeminência que possuem no mercado, medida tanto pela quantidade de funcionários como valor dos seus ativos, como indicam os gráficos 1 e 2 abaixo.
Gráfico 1: Correlação entre número total de funcionários e score ambiental
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Gráfico 2: Correlação entre valor total de ativos e score ambiental
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Vale ressaltar que a correlação entre o tamanho da empresa e os scores ambientais não se deve apenas às pressões externas. Também podem existir outras explicações plausíveis, que não são mutuamente exclusivas, como por exemplo o fato de empresas maiores terem mais recursos e capacidades para planejar e executar estratégias ambientais.
Já no score sobre políticas relacionadas ao gênero, o desempenho é limitado. Conforme mostrado nos gráficos 3 e 4, os scores de igualdade de gênero não ultrapassam 2,5 (50%), e metade das empresas analisadas tem, de fato, um score com valor zero.
Também diferentemente do componente ambiental, o score de gênero aparenta ter pouca ou nenhuma correlação com o tamanho das EEs, tanto em valor total de ativos quanto em número de funcionários.
Gráfico 3: Correlação entre número de funcionários e score de políticas relacionadas ao gênero
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Gráfico 4: Correlação entre valor total de ativos e score de políticas relacionadas ao gênero
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Lições aprendidas
Os resultados deste exercício mostram a necessidade de um melhor monitoramento sobre a adoção e implementação das políticas de ESG nas empresas estatais para que o governo possa impulsionar a adoção dessa agenda de modo mais sistemático entre estas empresas, principalmente entre aquelas que estão menos sujeitas à pressão dos investidores e mercado para que a sua adoção.
Os resultados do IPAG deixam claro a necessidade de o governo agir não apenas como um fiscalizador, mas também como uma fonte de cobrança de metas pré-estabelecidas – a fim de tornar o incentivo para a adoção de práticas ESG tangível para os gestores.
Para tornar possível uma estratégia de fortalecimento e a criação de metas, o monitoramento por meio de métricas bem estabelecidas, que sejam abrangentes em seu escopo de investigação, porém específicas e objetivas em seus componentes, é um primeiro passo fundamental. A falta de medidas e processos claros, específicos e comparáveis observada durante a construção do índice ressalta como ainda há um amplo caminho para fortalecimento das práticas de transparência das empresas estatais.
Por fim, cabe ressaltar que as empresas estatais estão estrategicamente posicionadas para serem pioneiras em questões de desenvolvimento sustentável e igualitário, podendo atuar exatamente na conexão entre o mercado e as estratégias do governo. Desse modo, as empresas estatais poderão não apenas seguir as melhores práticas ESG do mercado, mas também fomentá-las e liderar a disseminação, implementação e evolução destas. Abrir caminho para estas ações é o objetivo da metodologia desenvolvida para o IPAG.
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Resolvendo o enigma das empresas estatais na América Latina e no Caribe (em inglês)
[1] O Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões em 37% até 2025, e em 50% até 2030. Além disso, o país pretende atingir a neutralidade climática (o chamado net zero) em 2050. No plano plurianual 2024-2027, um objetivo estratégico do país é “reforçar políticas de proteção e atenção às mulheres, buscando a equidade de direitos, a autonomia financeira, a isonomia salarial e a redução da violência”. O documento também traz metas anuais para melhora na razão entre o rendimento médio do trabalho de homens e mulheres.
[2] Musacchio, Ayerbe & Garcia, 2015
[3] O conteúdo deste blog se baseia em Indicador de Políticas Ambientais e de Gênero – IPAG (Martinez Fritscher et al, no prelo).
[4] Os índices ESG internacionais costumam se concentrar em grandes empresas multinacionais negociadas em bolsas de valores fora do Brasil.
[5] Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
[6] Quatro indicadores são apenas base para o cálculo percentual de representatividade das mulheres e não são incluídos no score final.
[7] 50% das 46 empresas supervisionadas pela SEST, a partir de relatórios do ano de 2021, manualmente codificados.
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