Marcello Basani* e Patrícia Fortunato
Um conjunto de circunstâncias que incluem um persistente sistema de alta-pressão atmosférica (poucas chuvas) e limitadas possibilidades de recirculação da água (sem falar no desmatamento) tem provocado consequências dolorosas no rastro da pior seca dos últimos 80 anos no Brasil.
Enquanto isso, a Califórnia enfrenta a pior estiagem dos últimos 1.200 anos, que já levou o estado a adotar medidas controversas como multas de US$500 para quem for flagrado lavando carros ou calçadas, por exemplo. O governo local também faz campanha para que a economia de água seja permanente já que a mudança climática continua a pregar peças.
Pressionados pelos efeitos do clima extremo, tanto Califórnia quanto São Paulo têm recorrido a poços artesianos para responder à demanda por água. Em São Paulo, onde estima-se que escavações ilegais representem 80% dos poços, companhias especializadas em perfuração relatam que a demanda cresceu fortemente – algumas delas viram os pedidos crescerem em 100%. Na Califórnia, onde os poços artesianos respondem por 40% do consumo de água quando o volume de precipitação é normal, estima-se que só no ano passado essa fonte de abastecimento respondeu por 65% do consumo total. Por anos, a falta de regulação permitiu que muitos californianos aderissem à filosofia do “vamos perfurar”, o que só fez agravar a situação do abastecimento de água. Apenas no ano passado o estado aprovou uma histórica legislação sobre o uso de água subterrânea.
Embora perfurar um poço soe como uma solução mágica aos que se deparam com os desafios do clima extremo, este é um remédio de curto prazo. Na verdade, a perfuração indiscriminada coloca todo o sistema de abastecimento de água e o meio ambiente sob risco.
Em primeiro lugar, o uso irregular da água subterrânea pode deteriorar dramaticamente os aquíferos. Se a chuva não regenera os aquíferos, os poços secam e os reservatórios, pressionados pelo aumento no número de escavações e perfurações, morrem justamente quando deveriam ser reabastecidos.
O esvaziamento dos aquíferos também pode resultar na diminuição da quantidade de água disponível para abastecer fontes e cursos de água que nutrem os ecossistemas hídricos.
Por exemplo, pode-se reduzir permanentemente a quantidade de água que um aquífero é capaz de armazenar e provocar rupturas na superfície que levam ao rebaixamento do solo. Em localidades como o Central Valley, na Califórnia, o solo cedeu cerca de 31 centímetros, causando a destruição de estradas, tubulações e outras obras de infraestrutura, além da interrupção de canais.
Se as chuvas não vierem, os aquíferos não serão reabastecidos e a pergunta que fica é: o que será das novas gerações?
O problema é que se não há regulação ou fiscalização, não há como saber a quantidade de água subterrânea que está sendo bombeada. Desenvolver métricas claras e monitorar a quantidade de água subterrânea que é retirada dos aquíferos são medidas essenciais.
Para lidar com a questão, medidas drásticas vêm sendo adotadas em todo o mundo. Na África do Sul, um dos 30 países mais secos do mundo, o governo tem combatido a retirada ilegal de água subterrânea por meio de “blitz da água”. O tema é tão importante que, com a ajuda da missão NASA Grace já há relatórios via satélite sobre a exploração de água.
Seja qual for a medida adotada, é fundamental desenvolver e promover regulações que incluam o controle, a coleta de dados (o que não pode ser feito sem uma sólida base científica) e que garantam um lugar à mesa para as comunidades, principalmente as menos privilegiadas, que são afetadas pela redução dos níveis de água subterrânea.
Igualmente importante são a educação e a comunicação pública, essenciais para se obter o engajamento e apoio da população. Para tanto, os estados e cidades afetados devem promover campanhas de esclarecimento que tragam mensagens claras sobre as consequências da perfuração sem controle de poços artesianos para o uso cotidiano.
Daqui para a frente a economia de água não pode mais ser encarada como algo que fazemos em momentos de crise, mas como um compromisso permanente com o planeta, a sustentabilidade e nossas próprias vidas.
Perfurar como nos tempos antigos já não funciona mais.
*Marcello Basani é especialista sênior em Água e Saneamento do BID.
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