Foto: Agência Brasil
Este post foi originalmente publicado no Sin Miedos, blog do BID sobre segurança cidadã
*Robson Rodrigues
As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) chegam a seu quinto ano de existência no Rio de Janeiro com saldo ligeiramente positivo se levarmos em conta sua aprovação por parte considerável da população e da mídia. Recentemente a mídia divulgou pesquisa realizada pelo Instituto Data Favela dando conta de que 75% dos moradores de favelas aprovam as UPPs.
Apesar de eventuais problemas e críticas, essa tem sido apontada como a iniciativa mais importante da segurança pública no estado nos últimos anos. No entanto, a falta ainda de um programa formal a fragiliza enquanto política pública, implicando sérios riscos para a sua sustentabilidade.
As ações das UPPs possibilitaram uma retomada histórica, em escala nunca vista antes, de territórios que durante décadas estiveram dominados por grupos criminosos fortemente armados. Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESEG/RJ), existem hoje 34 UPPs, com um efetivo de 8.591 policiais, abrangendo aproximadamente 231 comunidades.
Pessoas que viviam aterrorizadas pelo clima de guerra instalado nessas comunidades começaram enfim a recuperar a tranquilidade e a confiança necessárias para vivenciar uma rotina normal.
Uma das principais conquistas da iniciativa foi a queda drástica das taxas de letalidade intencional, sobretudo as geradas pelo confronto entre a polícia e grupos marginais, nas comunidades onde as UPPs foram implantadas.
À medida que a chamada pacificação avança, realidades até então encobertas por um véu de medo, desconfiança, preconceito e informalidade são descortinadas. No lugar da violência homicida, emergem outros tipos de violência e conflitos até então desconhecidos pelo Estado.
Se, por um lado, tais constatações são sinais que parecem indicar avanços em direção à consolidação do Estado democrático de Direito, por outro a imensa dívida social às quais estas comunidades ainda são confrontadas precisa ser combatida imediata e responsavelmente para dar sustentabilidade à paz nesses locais.
A maior visibilização dessas realidades é positiva pois, de um lado, obriga a polícia a retornar a sua vocação de prevenção e mediação de conflitos e o Estado a assumir uma postura mais responsável na entrega de seus serviços. De outro, mostra para a sociedade em geral que o problema da violência não pode ser resolvido apenas com ações da polícia.
A questão da segurança passa pela restauração desses espaços e pelo funcionamento adequado das instituições sociais, prevenindo o retorno das condições que possibilitam a acomodação de organizações criminosas altamente violentas.
Pela adesão da sociedade e, sobretudo, pela vontade política demonstrada, parece plausível que a meta anunciada pelo governo do estado de instalar 40 UPPs até o fim de 2014 seja alcançada. No entanto, nem só de boa vontade sobrevive uma política pública. É preciso mais que isso para afastar o fantasma de sua descontinuidade que preocupa principalmente os moradores das comunidades pacificadas.
A indefinição do que seja de fato a UPP, traduzida na falta de um programa formal com objetivos definidos, metas, indicadores de avaliação e monitoramento adequados, representa sério risco de descontrole de um processo que não termina com a ocupação – o que provavelmente está na raiz de muitos dos problemas aos quais as UPPs são confrontadas.
Com um leque conceitual tão amplo – lembrando ainda que cada favela apresenta realidades distintas – surgem nas UPPs as mais variadas possibilidades de atuação policial, desde o fatídico “tiro-porrada-e-bomba” até uma cosmética polícia comunitária onde a manutenção da boa imagem é mais um fim em si mesmo do que um instrumento estratégico ou um resultado da aproximação legítima.
Nesses casos extremos o que ocorre é o afastamento da comunidade e a consequente perda de sensibilidade comunitária por parte dos policiais ao invés da esperada aproximação cooperativa, vital para a construção de uma rede solidária de proteção local.
A indefinição de um programa para as UPPs, inicialmente positiva na medida em que permitia a construção participativa do modelo por atores que o vivenciam num processo de aprendizagem mútua (lideranças policiais e comunitárias, agentes públicos, iniciativa privada, etc), representa hoje, todavia, um perigo, uma vez que as práticas não associadas a um modelo prévio de UPP clamam agora o seu conceito.
Por esta razão, o grande desafio desta empreitada é conjugar de maneira equilibrada prevenção e coerção legítima, e o foco na aproximação. Para isso, é necessário sistematizar o que foi aprendido para que se construa o modelo mais adequado aos objetivos de uma ordem democrática. Do contrário, o processo continuará dependendo da intuição e da sorte dos atores locais, numa eterna e caótica oscilação entre erros e acertos. Até agora, os acertos têm superado os erros. Mas até quando?
* Robson Rodrigues é Consultor Sênior do Instituto Igarapé e ex-comandante das UPPs.
Leave a Reply