Por que as políticas públicas de educação ou saúde são lideradas por uma secretaria ou um ministério, enquanto as de mudança climática precisam de uma grande equipe de entidades?
Nada menos que 14 secretarias no México e 25 agências federais nos Estados Unidos (incluindo as principais autoridades dos setores economia, energia, defesa, desenvolvimento urbano, agricultura, transporte e emprego entre outros) estão envolvidos na política climática.
O motivo é que a mudança climática e seus impactos são problemas complexos (wicked problems em inglês) e, por tanto, entendê-los e lidar com eles exige o conhecimento e a ação coordenada de múltiplos atores. Neste blog, explicaremos o que são problemas complexos e como os governos da região precisam adaptar sua organização e gestão interna para enfrentá-los.
O que são problemas complexos de política pública?
Embora a maioria dos problemas públicos exija capacidades, experiência e conhecimento técnico especializado para serem resolvidos (ou seja, são complicados), eles geralmente têm causas conhecidas que podem ser abordadas por intervenções cuja eficácia foi demonstrada por evidências empíricas suficientes. Seu maior desafio é adaptar as intervenções aos contextos em que serão implementadas. Políticas para reduzir a mortalidade materna e infantil, melhorar a retenção escolar ou aumentar a formalização do trabalho são alguns exemplos.
Por outro lado, os problemas públicos complexos são gerados por um conjunto entrelaçado de fatores, conhecidos ou ainda não claramente determinados, que se influenciam mutuamente e cujas relações de causa e efeito são contingentes e difíceis de prever. As políticas para enfrentá-los geralmente apresentam altos níveis de incerteza, devido à dificuldade de prever os vários impactos diretos e indiretos das possíveis intervenções estatais. Além disso, essas soluções exigem conhecimentos técnicos multissetoriais. Portanto, sua implementação requer adequações diferenciadas de política, organização e gestão pública.
Como diferenciar problemas complicados de problemas complexos?
Alguns exemplos podem esclarecer a distinção entre problemas complicados e problemas complexos. Construir um metrô é complicado. Exige recursos humanos qualificados e instrumentos de gerenciamento sistemáticos, mas, ao mesmo tempo, existem conhecimentos já comprovados sobre as atividades que precisam ser planejadas e executadas. Entretanto, a gestão da mobilidade urbana é complexa: ela é influenciada por milhões de interações contínuas e mutáveis entre os atores que compõem o trânsito e, portanto, exige uma adaptação contínua e específica a cada contexto. Da mesma forma, as políticas públicas de adaptação e mitigação da mudança climática, ou de proteção de ecossistemas como a Amazônia (por meio da bioeconomia, do manejo sustentável da agricultura, da pecuária, das florestas e do combate aos crimes ambientais, entre outras ações), exigem abordagens e gestão multissetoriais coordenadas, em todos os níveis de governo e até mesmo com a participação de atores não estatais, muitos dos quais possuem interesses ou perspectivas contraditórias.
Qual é o papel das administrações públicas?
As administrações públicas estão pouco capacitadas para lidar com problemas complexos com essas características. A organização setorial e em silos de trabalho público, em que as funções e os recursos (humanos e orçamentários) são alocados de modo exclusivo e excludente a agencias individualizadas, tende a dificultar o trabalho transversal e colaborativo necessário para lidar com problemas multidimensionais.
Na América Latina e no Caribe, esses desafios são muitas vezes agravados pela existência de estruturas regulatórias rígidas e altamente codificadas para a administração pública, que priorizam o cumprimento de processos formais pelas unidades de gestão, em vez do cumprimento de objetivos substanciais que exigem a cooperação de um conjunto de unidades.
Essa concepção legalista e processual do serviço público não facilita a flexibilidade adaptativa que os problemas complexos exigem. Mesmo as ferramentas de gerenciamento por resultados são mais eficazes diante de problemas complicados do que complexos, pois visam garantir a implementação confiável de planos de execução detalhados e, dependendo de como são usadas, não necessariamente permitem essa flexibilidade.
Mudança climática: o problema mais complexo
Líderes mundiais em gestão pública, como William Eggers e Donald F. Kettl, consideram que “a mudança climática é o problema mais complexo de todos”. O clima é um sistema físico com múltiplas interdependências e realimentações, cujas mudanças apresentam “pontos de inflexão” (tipping points) que geram alterações exponenciais e não lineares, o que dificulta a previsão precisa dos impactos locais.
As possíveis intervenções também exigem a ação de múltiplos órgãos públicos e setores econômicos (energia, indústria, agricultura, transporte, moradia, planejamento urbano, emprego etc.) e têm impactos variados sobre eles, que muitas vezes têm interesses conflitantes. A mudança climática também apresenta várias áreas de incerteza, como encontrar as formas mais eficazes e econômicas de alcançar a neutralidade de carbono ou prever a ocorrência de eventos climáticos extremos e seus impactos. Todos esses aspectos representam grandes desafios para as adequações de gestão pública usuais.
Um estudo recente do BID, disponível em português, oferece soluções para melhorar a capacidade de lidar com problemas complexos, como a mudança climática. Essas opções se enquadram em dois eixos principais:
- Alinhar os incentivos dos múltiplos atores envolvidos para facilitar políticas integradas e sinérgicas. As adequações organizacionais e de gestão que o setor público deve adotar para melhorar sua capacidade de elaborar e implementar políticas coerentes de combate a mudança climática incluem: (i) fortalecer as funções de designação de prioridades, de organização do mecanismo de governo, de coordenação e de monitoramento do Centro de Governo; (ii) adotar abordagens sistêmicas para a elaboração de políticas com teorias robustas de mudança e cadeias de implementação que incluam o amplo conjunto de setores envolvidos e identifiquem suas inter-relações; e (iii) melhorar as ferramentas de prestação de contas sobre o cumprimento dos compromissos climáticos, entre outras opções.
- Expandir as informações e as evidências disponíveis para reduzir a incerteza na tomada de decisões e facilitar o aprendizado sobre o que funciona (e o que não funciona). Isso implica, em termos de gestão pública: (i) a adoção de ferramentas de gestão adaptativa e flexibilidade gerencial e administrativa para a inovação, o aprendizado e o ajuste contínuo; (ii) o uso dos resultados do monitoramento das intervenções para alimentar esse aprendizado e adaptação contínuos; (iii) garantir o funcionamento de sistemas de informação abertos e integrados que permitam que todas as partes envolvidas atuem de forma mais eficiente; e (iv) o estabelecimento de padrões mais robustos de evidência para a aprovação de políticas e regulamentações, entre outras medidas.
Essas reformas fazem parte de um esforço de construção de capacidades estatais impulsionado pelo BID: um esforço que busca aprender com o que foi feito e fazer o que foi aprendido. Isso supõe abordar os problemas de forma integrada, e não fragmentada, testar soluções inovadoras e, por fim, iterar e adaptar com base nos aprendizados da própria implementação e das circunstâncias de mudança.
Essa é a maneira mais promissora de lidar com os problemas complexos enfrentados por nossas administrações públicas.
Você está pronto para fazer parte da mudança? Leia nossa publicação “Capacidades do Estado e problemas complexos de políticas públicas: abordando vulnerabilidades que afetam o desenvolvimento humano” e descubra como abordar problemas complexos de políticas públicas por meio de ferramentas que facilitam a coordenação dos atores, a inovação e o aprendizado contínuo.
Texto disponível também em inglês e espanhol, no blog Gobernarte.
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