A pandemia de coronavírus pôs os governos diante do desafio de implementar medidas de saúde pública para conter a propagação da epidemia, promovendo o distanciamento social, obrigando as pessoas a trabalhar em casa e fechando escolas, comércios e eventos, além de impor medidas de quarentena.
As ações para conter a epidemia[1] procuram “achatar a curva” relacionada ao crescimento da doença e, assim, reduzir o risco de sobrecarregar o sistema de saúde e, mais importante, salvar vidas. As medidas de contenção, embora produzam transtornos e altos custos no curto prazo, são, no momento, a melhor opção de política de saúde pública para os governos enfrentarem essa nova doença enquanto a comunidade médica e científica trabalha para desenvolver uma vacina e protocolos de tratamento eficazes para a doença.
Dado esse cenário atual, uma boa estratégia de comunicação de crise tornou-se essencial para garantir uma boa implementação das medidas de contenção. Neste blog, oferecemos recomendações práticas para ajudar os governos locais nessa tarefa.
O desafio da comunicação
As medidas de contenção para combater a doença apresentam aos governos três desafios de comunicação:
(a) Mudar normas sociais. O distanciamento social obriga as pessoas a limitarem sua interação física com os outros, funcionários podem ser forçados a trabalhar em casa e estudantes podem se ver obrigados a ter aulas online.
(b) Administrar interesses conflitantes. Obrigar as pessoas a ficar em casa prejudicará as empresas e os trabalhadores do setor informal podem sentir que não têm outra opção a não ser romper as medidas de contenção para poder pagar as contas e alimentar a família. A pressão desse grupo de eleitores pode reduzir o apoio de alguns atores governamentais e políticos às medidas de contenção.
(c) Garantir cooperação. As medidas de contenção podem durar várias semanas e a cooperação durante o período será fundamental para seu sucesso.
10 recomendações aos governos para uma boa comunicação de crise
Os governos locais podem desempenhar um papel fundamental na administração desses desafios dada sua proximidade dos cidadãos e conhecimento aprofundado das condições locais e públicos específicos. Uma boa estratégia de comunicação e implementação em nível local pode ser de grande ajuda para conter a epidemia.
Estas são 10 recomendações que os governos locais devem levar em conta em suas comunicações de crise:
1) Defina seu objetivo. Para esta epidemia, o objetivo deve ser desacelerar a propagação da doença. Como resultado, é importante que os governos acompanhem atentamente este indicador. No entanto, como levará algum tempo até que o impacto das medidas possa ser observado, os governos devem incorporar em seu plano o acompanhamento de alguns indicadores de desempenho que lhes permitam medir se a comunicação está sendo efetiva: número de eventos cancelados, monitoração do número de pessoas nas ruas e aglomerações, por exemplo.
2) Defina seus públicos e canais de comunicação cruciais. Os governos precisam identificar os atores cruciais e as melhores maneiras de alcançá-los. É importante que os governos compreendam as necessidades deles e produzam mensagens específicas para lidar com suas preocupações ou com obstáculos potenciais que os impeçam de adotar as ações de contenção desejadas. Por exemplo, os governos devem pensar em mensagens para grupos etários e segmentos da sociedade específicos, como trabalhadores do setor informal, pequenas empresas, trabalhadores assalariados, estudantes, etc.
3) Centralize e estabeleça uma cadeia de comando clara para suas comunicações. Isto ajudará a evitar mensagens discrepantes para o público. No entanto, é preciso garantir que sua equipe trabalhe com agilidade, uma vez que ações rápidas são essenciais para uma comunicação efetiva em situações em constante evolução. Dissidências e discordâncias dentro de governos devem ser resolvidas para assegurar que todos os agentes públicos estejam conscientes de qual é a mensagem e do que é esperado deles. As autoridades devem garantir que as atividades de comunicação sejam coordenadas em nível local, estadual e federal e entre as diferentes agências.
4) Defina seus principais porta-vozes e coordene as mensagens. Os governos devem escolher porta-vozes que sejam bons comunicadores e que transmitam credibilidade e autoridade para o público. É importante que essas pessoas trabalhem de uma maneira coordenada e que suas mensagens se complementem e se reforcem mutuamente.
5) Produza e promova conteúdo baseado em fontes confiáveis. É importante que sua equipe de comunicação estabeleça critérios específicos para selecionar as fontes que serão usadas para criar e organizar o conteúdo, de modo a evitar a divulgação de informações equivocadas. O conteúdo original produzido deve ser revisado por especialistas para garantir sua correção. Também é fundamental que os criadores de conteúdo tenham acesso a especialistas se um conteúdo específico precisar ser produzido e que haja um processo prático para revisar e aprovar conteúdo dentro da equipe.
6) Use formato, linguagem e tom apropriados: Ao formular as mensagens, os governos precisam garantir que os cidadãos entendam por que isso está sendo feito e, acima de tudo, por que é importante que eles colaborem. Além disso, como as medidas de contenção exigirão mudanças comportamentais, os governos precisam oferecer orientações sobre como agir e explicações sobre como os cidadãos podem praticar distanciamento social, lavar as mãos, quando e como fazer autoquarentena, onde procurar informações confiáveis, como trabalhar em casa, se podem ou não visitar um determinado parque, etc. Os governos não devem pressupor que os cidadãos saberão como fazer essas coisas por si mesmos. O conteúdo precisa ser claro, simples, escrito de uma maneira amigável e adaptado aos públicos específicos. Por exemplo, se em uma dada comunidade houver uma grande proporção de pessoas iletradas e com acesso limitado a comunicações digitais, os governos devem produzir folhetos e cartazes e distribuí-los na comunidade. Esses cartazes devem conter ilustrações para que esse público entenda o que precisa fazer.
7) Seja calmo, tranquilizador, claro e frequente em suas comunicações. O tom da mensagem é tão importante quanto a mensagem em si. Ao explicar medidas de contenção, o tom da conversa deve ser calmo e tranquilizador, para evitar criar pânico. Já há muita incerteza causada pela crise e os governos devem ser uma voz tranquilizadora e assertiva para trabalhar junto com os cidadãos no oferecimento de uma solução. A frequência da mensagem também é fundamental. Mudar comportamentos e manter essas mudanças ao longo do tempo é uma tarefa muito difícil. Os cidadãos precisam ser constantemente lembrados do que devem fazer: frequência e repetição são essenciais.
8) Administre as expectativas e a ansiedade do público. Em suas comunicações frequentes, os governos também devem comunicar o progresso das medidas de quarentena e administrar a ansiedade do público. Em situações de incerteza, os cidadãos podem se comportar irracionalmente. Isso pode tornar ainda pior uma situação que já é difícil. Por exemplo, em vários países, os cidadãos começaram a estocar papel higiênico e higienizadores de mãos, causando dificuldades no abastecimento. Em outros, houve transtornos nos serviços de coleta de lixo e um pico no consumo de água potável, aumentando a pressão sobre os sistemas locais. Os governos devem tentar prever esses comportamentos e agir em relação a eles. Por um lado, comunicar que não é necessário estocar alimentos ou produtos de limpeza e, por outro, trabalhar em planos de contingência para garantir o abastecimento e a continuidade dos serviços essenciais.
9) Identifique possíveis obstáculos e aja. Os governos precisam reconhecer que há dificuldades estruturais e econômicas que podem prejudicar as medidas de contenção em nossa região. Com uma grande proporção da população economicamente ativa no setor informal[2], sobrevivendo de pagamento a pagamento e em condições sanitárias precárias com acesso limitado a água, pode ser difícil obter a colaboração de muitos de nossos cidadãos. É crucial que os governos reconheçam esses obstáculos e criem soluções que permitam que os cidadãos fiquem em casa. Além de medidas de transferência de renda direta a serem consideradas no nível federal, os governos locais devem pensar em parcerias com organizações da sociedade civil locais para distribuir alimentos ou refeições por meio de suas escolas públicas, por exemplo, bem como melhorar a distribuição de água em comunidades vulneráveis. Essas medidas devem ser parte da estratégia e do conteúdo de comunicação a ser produzido e divulgado. A estocagem de alimentos e produtos de limpeza deve ser evitada e os governos locais devem trabalhar junto com os varejistas locais para implementar medidas para evitar a estocagem, como a limitação do número de itens que as pessoas podem comprar em uma visita. Espaços públicos como parques devem ser fechados para evitar a aglomeração de pessoas.
10) Faça parcerias com meios de comunicação e organizações da sociedade civil relevantes. Os governos também devem pensar em formar uma equipe de comunicações ampliada constituída de organizações de mídia locais, organizações da sociedade civil e influenciadores locais para ajudar a criar conteúdo e promover e reforçar mensagens relacionadas às medidas de contenção. Esses parceiros podem eliminar importantes deficiências de conteúdo e divulgação e aliviar a pressão sobre os governos locais para produzir e divulgar informações para os cidadãos.
Se você quiser saber mais sobre a resposta do Grupo BID à pandemia de coronavírus, visite nosso portal de conhecimento.
Referências
[1] Managing Epidemics, Key Facts About Major Deadly Diseases, OMS, https://www.who.int/emergencies/diseases/managing-epidemics-interactive.pdf
[2] Cerca de 92 milhões de pessoas na região são extremamente pobres e outros 77 milhões são moderadamente pobres, de acordo com o Documento de Trabalho do BID, “Poverty, Vulnerability and the Middle Class in Latin America”, maio de 2015).
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