Quais estruturas permitem ser sensíveis às necessidades das mulheres na cidade, e ao mesmo tempo dar a elas um espaço para falar, aprender e se empoderar? Neste podcast, falamos sobre políticas públicas específicas para as necessidades das mulheres e espaços de tomada de decisão que permitem a integração delas nas diferentes etapas da tomada de decisão urbana.

As cidades são feitas por e para os homens?
O setor de planejamento urbano e demais ambientes profissionais são ocupados, principalmente, por homens. Mesmo que as mulheres tenham cada vez mais acesso a estes espaços, é importante lembrar que muitos dos Planos Diretores das cidades e políticas urbanas atuais, foram elaborados por homens que pensaram a cidade de acordo com uma lógica econômica, que valorizam as atividades de produção, trabalho e consumo. Estes esquemas continuam a ser reproduzidos, posteriormente, em espaços acadêmicos e profissionais.
A lógica de zoneamento urbano, que separa fisicamente as diferentes atividades na cidade, é um exemplo perfeito da valorização da lógica econômica dentro dos Planos Diretores. Essa lógica deixa, parcial ou totalmente, invisíveis ou dificultam as atividades de reprodução realizadas com maior frequência pelas mulheres (relacionadas à gestão, manutenção e cuidado da família e do lar, por meio de relações de vizinhança e escolares, gestão da saúde, fornecimento e preparação de alimentos, entrega de afeto e outros), e consequentemente separadas das atividades produtivas, as quais geram algum valor econômico.
A geografia feminista destaca as desigualdades nos espaços chamados “neutros”, que na verdade não são nada neutros, levando em conta as necessidades de mulheres, pessoas LGBTQIA+, pessoas com deficiência e outros grupos específicos que possuem diferentes desafios e que vivenciam a discriminação e a violência.
Por que a vivência da cidade é diferente de acordo com o gênero?

A mobilidade das pessoas é diferente de acordo com seu gênero e suas atividades reprodutivas e de cuidado, mas também por razões de segurança pública. De acordo com dados do Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva, em fevereiro de 2019, 97% das mulheres entrevistadas no Brasil já sofreram importunação sexual, o que impacta o exercício diário de sua cidadania.
O transporte público permanece sendo o local em que as mulheres se sentem mais vulneráveis a sofrer algum tipo de assédio (46%) e em seguida a rua (24%). Essa sensação de insegurança influencia bastante na escolha das rotas e meios de transporte utilizados, além dos horários, escolha do vestuário e outros aspectos.

Dentro das diversas políticas públicas de sucesso para combater a insegurança nos espaços e transportes públicos, podemos citar a parada segura. Desde 2014, uma lei permitiu implementar o sistema de “parada segura”, que consiste em permitir a parada de ônibus entre duas paradas oficiais se uma mulher pedir para sair mais perto de sua casa. Essa iniciativa evita a necessidade de longas caminhadas a serem feitas sozinhas, especialmente à noite após as 20h. Esta lei tem sido aplicada em várias cidades, pouco a pouco e em diferentes anos, por exemplo, em Maceió, João Pessoa, Rio de Janeiro, São Paulo, São Luís, entre outras.
Como ouvir a voz de todas e todos na vida da cidade?
Como relatado no artigo #5 da nossa série “Mulheres que transformam a cidade”, as estruturas institucionais de participação feminina na concepção e na gestão das cidades são chaves. Tomando como exemplo a Prefeitura de João Pessoa, na Paraíba, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher tem como objetivo a deliberação, normatização, fiscalização e execução de políticas relativas aos direitos da mulher, visando ser um centro permanente de debates entre os diversos setores da sociedade.
Trata-se de um órgão independente, mas atua juntamente com a Secretaria das Mulheres, com o objetivo de fortalecer as políticas de gênero da cidade. O município também implementou o Orçamento Participativo Mulher, uma ação complementar ao Ciclo do Orçamento Participativo que tem como objetivo potencializar as políticas públicas, programas e ações para as mulheres no âmbito da Gestão Municipal.
Como considerar os cuidados familiares no planejamento dos bairros?
As políticas urbanas possuem várias ferramentas para incorporar estas questões no planejamento. Por exemplo, para que o tecido urbano leve em conta os movimentos dos moradores, no nível da rua ou do bairro, o uso misto permite facilitar as tarefas relacionadas aos cuidados familiares. Por um lado, os edifícios residenciais se beneficiam em acolher instalações de cuidado para idosos, espaços de recreação para crianças, mulheres, jovens, lojas para compras diárias e outros. Por outro lado, quanto mais locais de uso misto existirem na vizinhança, mais curto será o trajeto dos encarregados das tarefas reprodutivas no dia a dia.
Espaços educativos, de saúde, culturais ou comerciais também contribuem à vida do bairro, à sua dinâmica, à movimentação das ruas e das entradas de condomínio por residentes e usuários em horários diversos do dia e da noite, diminuindo assim sensações de insegurança e oportunidades de assalto ou agressão, em relação a espaços de uso único (residencial, institucional, comercial etc.).
Como a política pública pode influir sobre as representações simbólicas das mulheres na cidade?
Nossa casa, nosso local de trabalho, nossos lugares preferidos… Cada um dos lugares onde vivemos, nos movimentamos e frequentamos diariamente estão localizados em alguma rua com um nome específico. Normalmente, as ruas que são chamadas pelo nome de uma pessoa foram nomeadas para homenagear e recordar essa pessoa, por ter sido, ou ser, importante para o país ou a cidade em questão. Porém, este símbolo urbano de prestígio e memória é praticamente monopolizado por nomes masculinos.
Um estudo realizado em 2019 em São Paulo, chamado Dicionário de ruas, mostra que apenas 16% das ruas da cidade possuem o nome de uma mulher. Isso reflete as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade e contribui para a sub-representação da grande maioria das mulheres importantes para a cultura e a memória brasileira nos espaços públicos, sejam eles vias, praças, parques, estações de metrô ou ônibus, edifícios públicos e outros.
As obras de arte urbana também contribuem para a divulgação de mensagens importantes, e contribuem para a reapropriação das representações artísticas realizadas pelas mulheres nos muros e demais espaços da cidade. Além do simbolismo artístico, trata-se também da questão da presença física da mulher no espaço público. Ainda existem vários obstáculos que impedem as mulheres de ter plena liberdade de expressão artística, como é o caso de poder estar na rua por muito tempo, às vezes sozinha, às vezes à noite para poder grafitar.

A Prefeitura Municipal de João Pessoa, por meio da Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres, inaugurou a “Praça das Mulheres” em 2017 com seis placas simbólicas com nomes de mulheres, cinco assassinadas e uma sobrevivente, vítimas de feminicídio na cidade. Constitui um exemplo de como falar de um problema político (feminicídios), e ao mesmo tempo tornar visível e prestar homenagem, além de gerar um espaço simbólico para as mulheres no espaço público. O espaço busca chamar atenção para a violência contra as mulheres e sensibilizar a população para o alto índice de violência no Brasil e na Paraíba. A praça também recebeu o plantio de seis árvores.
Por que nós fazemos perguntas sobre gênero no espaço público e na cidade?
Simplesmente porque são lugares que promovem o encontro, a visibilidade e a troca entre as pessoas na sociedade, e onde o gênero é demonstrado. Muitas vezes, o espaço público é definido como um espaço “neutro”, quando ele não é. O espaço público também não é público para todos, como seu nome sugere. Para compreender as relações de poder no desenho, uso e ocupação do espaço público que perpetuam as representações sociais de gênero, e impulsar mudanças, o BID criou um Guia prático e interseccional para cidades mais inclusivas.

O guia visa abrir um espaço de reflexão sobre as perspectivas feministas e interseccionais na concepção e gestão das cidades no Brasil. Aborda o planejamento urbano através da integração de diferentes características dos usuários da cidade como gênero, raça, orientação sexual, idade e condição física. Qual é o papel da mulher no diagnóstico e na tomada de decisões na cidade? As funcionalidades dos espaços urbanos são pensadas de forma equitativa de acordo com as necessidades de cada usuário, incluindo crianças, idosos, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+, pessoas de distintas etnias e raças? Como esta diversidade de usuários pode ser mais bem integrada na cidade para torná-la acessível, segura e inclusiva?
Essas são algumas das perguntas que o guia poderá responder, e que serão discutidas em nosso webinar especial no próximo 8 de março, na ocasião do Dia Internacional da Mulher: faça aqui sua inscrição e não deixe de participar enviando perguntas!

Veja também os artigos anteriores da mesma serie:
- Mulheres que transformam a Cidade #1: Diagnóstico urbano, caminhabilidade e gênero, sobre como criar espaços para que as mulheres possam expressar sua opinião sobre o que precisa ser feito para melhorar nossos bairros.
- Mulheres que transformam a Cidade #2: Segurança pública e gênero, sobre o que caracterizam os atos de violência contra as mulheres nos espaços públicos.
- Mulheres que transformam a Cidade #3: Mobilidade e gênero, sobre a relação entre o gênero com os desafios da mobilidade urbana.
- Mulheres que transformam a Cidade #4: Primeira infância e gênero, sobre como é viver na cidade a partir de tamanhos e perspectivas das crianças, e como construir espaços seguros, acessíveis e divertidos para elas.
- Mulheres que transformam a Cidade #5: Profissões urbanas e gênero, sobre como podemos trabalhar para uma melhor representação das mulheres nos campos da arquitetura e do planejamento urbano, tanto na história, como na memória coletiva e na profissão.
- Mulheres que transformam a Cidade #6: Diversidade e Direito à Cidade, sobre como a voz das pessoas LGBTQIA+ poderia ser mais bem ouvida no planejamento da cidade.
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