Você já ouviu falar de afroturismo? O conceito não é exatamente novo, mas ganha destaque e relevância neste momento de debate racial acalorado globalmente. O afroturismo é o turismo que dá destaque à cultura negra de um local, prioriza fornecedores negros da cadeia produtiva e lança mão de ações afirmativas para acolher e tornar mais segura a experiência de viajantes negros.
Desde 2019, Salvador, que tem 82% da população representada por negros, deu início ao projeto de desenvolvimento do Turismo Étnico-Afro local. A ação é uma iniciativa do Prodetur Salvador, executado pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e financiado pelo BID, e busca colocar a população afrodescendente soteropolitana de fato como protagonista do turismo na cidade. Ao mesmo tempo, a iniciativa encontra eco na alta demanda de pessoas negras que viajam em busca de reconexão com ancestralidade, conhecer a própria história, sentir-se bem com pessoas da sua cor ao seu redor. O afroturismo tem se tornado um nicho de mercado cada vez mais relevante e ainda pouco atendido pelo trade turístico de uma forma geral, e encontra em Salvador um solo fértil para florescer.
Black Travel Movement: a demanda crescente por experiências afrocentradas

A compreensão do macro ambiente do projeto levou sua equipe a conhecer o Black Travel Movement: movimento em que negros viajantes se organizam pelo direito de viver a experiência turística sem a marca opressora do racismo, trocam informações e criam suas próprias narrativas. Isso tem levado a um boom de negócios turísticos desenhados para atender as especificidades da comunidade negra, até aqui praticamente ignorada pelas grandes operadoras de turismo e ações de promoção turística (em geral, nota-se que a comunicação é estereotipada e negros quase nunca aparecem na publicidade dos destinos).
A verdade é que ser negro(a) é parte integral da experiência do negro viajante. Em muitos países, eles são “encarados” pelos nativos, sofrem micro agressões, ouvem piadas sobre seus cabelos, são perseguidos por seguranças de lojas ou têm seu poder de compra negligenciado por vendedores, quando não expostos à violência física mais grave. O Black Travel Movement se articulou justamente para combater isso: formar um grupo seguro de troca de informações sobre os destinos, compartilhar experiências e, o mais importante, incentivar entre os participantes o direito de viajar, explorar e exercer sua liberdade.
Observando a experiência de negros estrangeiros em visita a Salvador, vê-se que a potência da cidade na oferta deste tipo de experiência é flagrante, em função da força da cultura africana que lá reside. Essa identificação com a cidade já existe, mas ainda pode ser potencializada. O desenvolvimento do Turismo Étnico-Afro pode tornar Salvador cada vez mais atraente para afrodescendentes do mundo inteiro; um destino onde possam desfrutar da riqueza histórica e cultural local e que tem a magia de fazê-los sentir-se em casa e livres.
O Plano TEA: colocando estratégias em prática
O pontapé inicial das iniciativas se deu por meio da construção do Plano de Ação para o Turismo Étnico-Afro de Salvador, com uma metodologia participativa que envolveu mais de 600 pessoas, entre profissionais do turismo afro, empresários do trade turístico e formadores de opinião. O plano apontou algumas necessidades fundamentais para se alcançar o objetivo desejado:
- Transformar o grupo de afroempreendedores numa cadeia de valor unida e articulada;
- Melhorar o nível de formação técnica e de gestão entre esses empreendedores;
- Projetar a cidade como destino afro atrativo, autêntico e único nas Américas;
- Mapear e criar roteiros e experiências turísticas afrocentradas, com maior apelo comercial para agências e operadoras de turismo.

As ações para de fato implementar o Plano já começaram a sair do papel. Em julho de 2021 foram lançados os dois primeiros projetos do Plano, o AfroBiz Salvador e o AfroEstima Salvador. O AfroBiz é um hub digital que conecta a indústria criativa afro da cidade a consumidores e investidores. Ela funciona como uma vitrine de negócios afro, aumentando a visibilidade de afroempreendedores e colaborando para a ideia de uma cadeia produtiva unificada. Além da vitrine virtual, a ação prevê a realização de três rodadas de negócios (duas nacionais e uma internacional) para quem estiver cadastrado na plataforma e com negócio já em estágio maduro para participar.
Já o AfroEstima Salvador é uma plataforma gratuita de capacitação e de mentorias para afroempreendedores, organizada por Trilhas de Aprendizagem, com combinações de conteúdo destinadas a atender às diferentes demandas dos segmentos afro. O programa oferece 13 disciplinas, algumas definidas como técnicas, como Marketing Digital, Gestão de Negócios e Empreendedorismo, além de temas considerados sociais como História, cultura afro-brasileira e da diáspora; e Liderança com foco na juventude negra. Em virtude da pandemia, o projeto será híbrido, com aulas online e presenciais. Os dois projetos dialogam entre si, pois para participar das Rodadas de Negócios do AfroBiz, o afroempreendedor deve necessariamente concluir a Trilha de Aprendizagem do AfroEstima.

Até o final do ano, outras três importantes ações estarão em execução: o Salvador Capital Afro, um grande movimento de projeção da cidade como destino afro das Américas, que se constitui em atos de políticas públicas, econômicos, educacionais e culturais; o Guia Black, ação que visa a organizar rotas turísticas interessantes na temática afro e o Baiana Legal, cujo objetivo é fortalecer o ofício das baianas de acarajé, mingau e receptivo através do fornecimento de equipamentos e indumentárias para seus pontos de venda, além da execução de um censo para mapear o segmento.
Com esse conjunto de iniciativas, almeja-se o fortalecimento do afroempreendedorismo local, especialmente das mulheres negras, que são as que menos se beneficiam economicamente do turismo na cidade.
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