A universalização do saneamento básico será alcançada apenas se abrangermos as áreas onde o déficit persiste e as soluções são complexas, a exemplo das zonas rurais
Na América Latina e Caribe (ALC) ainda existem muitos grupos populacionais que não possuem acesso a serviços de água e de esgotamento sanitário geridos de forma segura. Estima-se que 164 milhões de habitantes da região não tenham acesso a serviços seguros de abastecimento de água, enquanto 435 milhões carecem de serviços de esgotamento sanitário geridos de forma segura[1].
A falta de acesso a serviços de saneamento básico afeta diretamente o meio ambiente e a saúde da população. De acordo com a Organização Mundial da Saúde[2], em 2019, foram registrados 22.405 óbitos por doenças diarreicas na região, sendo que desse conjunto 52% foram atribuídas à falta de acesso adequado à água, ao esgotamento sanitário e à higiene.
Uma dívida com o rural
Neste contexto, os grupos populacionais mais impactados e esquecidos desta região são os que moram nas áreas rurais, onde apenas 53% da população possui acesso à água potável gerida de forma segura. Para o esgotamento sanitário, nem sequer existem informações para avaliar a segurança da gestão dos serviços, mas sabe-se que de 3 a cada 4 pessoas que praticam a defecação à céu aberto na região, vivem nas áreas rurais.
A falta de oferta de serviços de água e saneamento nessas áreas implica na dependência de soluções precárias sem garantia de qualidade e sustentabilidade, o que sobrecarrega as famílias mais vulneráveis, não apenas pelos custos financeiros, mas também pelo tempo dispendido para o suprimento de água, entre outros.
A falta de acesso aos serviços de água potável e de esgotamento sanitário em função da incapacidade de pagamento dos usuários é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma violação dos direitos humanos. Mais especificamente, no que se refere ao critério de “acessibilidade econômica”, utilizado por esta organização para avaliar o atendimento dos direitos humanos no contexto da prestação destes serviços.
E apesar de ser um aspecto central para melhorar o acesso da população a serviços adequados de água potável e ao esgotamento sanitário, avaliar o cumprimento desse critério é altamente complexo, devido às diferentes dimensões que ele abrange, especialmente para o contexto rural. Historicamente, a acessibilidade econômica esteve vinculada à definição de estruturas tarifárias, tendo como foco a garantia da sustentabilidade financeira, sem aprofundar na avaliação sobre a capacidade de pagamento dos usuários.
Contudo, no contexto rural, onde as taxas de pobreza e de extrema pobreza chegam a ser duas a três vezes maiores que nas áreas urbanas e considerando o déficit significativo de saneamento básico, é inviável cobrir todos os gastos de operação, manutenção e investimentos apenas com o pagamento de tarifas. Portanto, é essencial buscar a equidade, igualdade e sustentabilidade por meio da implementação de subsídios objetivos e transparentes.
Equidade, igualdade e sustentabilidade para o rural
Esta foi uma das conclusões durante o workshop “DIÁLOGOS SIRWASH: Políticas públicas para acessibilidade econômica aos serviços de água e saneamento rural no contexto dos países da América Latina e Caribe“, que aconteceu em Brasília – Brasil, nos dias 4 e 5 de junho de 2024, em que participaram mais de 100 profissionais de saneamento básico, representando mais de 10 países.
O evento promoveu o diálogo sobre políticas públicas e a troca de experiências, destacando a necessidade de considerar a acessibilidade econômica como um fator fundamental para o acesso e a sustentabilidade dos serviços de saneamento básico nos contextos rurais dos países da ALC. Também foram discutidos os benefícios de incorporar neste debate aspectos como a inclusão de gênero, a inovação, modelos produtivos, participação das comunidades locais, a intersetorialidade, entre outros.
Sobre o SIRWASH
Esse worshop foi uma das iniciativas do Programa SIRWASH, uma cooperação do BID com a Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação (COSUDE), que tem foco especial no Brasil, Bolívia, Haiti e Peru, embora também opere em nível regional e global. No Brasil, o programa SIRWASH foi firmado com a Fundação Nacional da Saúde – Funasa e tem como objetivo impulsionar a implementação do Programa Nacional de Saneamento Rural – PNSR no país.
Prévio ao evento, foi realizado um mapeamento de experiências de políticas de saneamento rural, tendo como foco a acessibilidade econômica e a sua adequação aos contextos rurais dos países da ALC. A partir dos resultados, foi produzido um Resumo Executivo, que foi enviado previamente aos participantes do evento e que compartilhamos neste link, caso tenha interesse.
Além disso, é importante salientar que a proposta do workshop foi só o início do debate sobre acessibilidade econômica nos contextos rurais da região, porque a partir das discussões do evento, está sendo elaborada uma série de documentos que serão publicados em breve, entre eles:
- Policy Brief com foco na acessibilidade econômica dos serviços rurais de WASH;
- Guia prático para formulação, implementação e monitoramento de políticas de saneamento rural com foco na acessibilidade econômica e que sejam adequadas aos países da ALC;
- Proposta de política pública de saneamento rural com foco em subsídios e mecanismos que viabilizem serviços de saneamento economicamente acessíveis e adequados às diferentes ruralidades no Brasil.
Os desafios existem, mas são contornáveis. A universalização do saneamento básico será alcançada apenas se abrangermos as áreas onde o déficit persiste e onde as soluções são complexas, a exemplo das zonas rurais. Precisamos romper com paradigmas e planejar melhor o saneamento rural, implementando soluções apropriadas para torná-lo um setor saudável, sustentável e produtivo.
E é nessa lógica que o BID lançou um chamado para ação para que todos os países definam metas e planos estratégicos visando melhorar os serviços de água, saneamento e higiene nas zonas rurais, de forma integrada ao setor produtivo, à gestão dos recursos hídricos e resilientes ao clima.
[1] Organización Mundial de la Salud, Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia. Progresos en materia y agua para consumo, saneamiento e higiene en América Latina y el Caribe 2000-2020: cinco años después de la adopción de los ODS [internet]. Ginebra: OMS, UNICEF, 2022.
[2] World Health Organization. Burden of disease attributable to unsafe drinking-water, sanitation and hygiene, 2019 update, 2023.
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